Projecto de lei n.º 660/X (PS) estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar

IMPOR (!)  A INCLUSÃO OBRIGATÓRIA (!) DA EDUCAÇÃO SEXUAL NAS ESCOLAS”

(Actividade Parlamentar e Processo Legislativo)

ESTABELECE O REGIME DE APLICAÇÃO DA
EDUCAÇÃO SEXUAL EM MEIO ESCOLAR

Exposição de Motivos

A garantia da saúde sexual e reprodutiva na sociedade contemporânea é condição necessária para o desenvolvimento harmonioso da pessoa humana.

O reconhecimento da igualdade de género, o direito de acesso à contracepção, a promoção da maternidade e da paternidade responsáveis e conscientes, a generalização do planeamento familiar, e a garantia da não discriminação em função da orientação sexual, assumem-se hoje como conquistas dos portugueses, e já se encontram devidamente enquadradas no ordenamento jurídico português.

O reconhecimento da educação sexual e do planeamento familiar como componentes fundamentais do direito à educação, em 1984; a regulamentação das consultas de planeamento familiar, em 1985; o impulso dado à educação sexual, e a criação de gabinetes de apoio nas escolas, em 1999; a obrigatoriedade da promoção da saúde sexual e da reflexão sobre temas da sexualidade humana em meio escolar, em 2000; e a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, em 2007, representam momentos relevantes na história da saúde sexual e reprodutiva dos portugueses, que tiveram o mais decisivo contributo da Juventude Socialista, e do Partido Socialista e dos seus Governos.

Neste contexto, um regime de aplicação da educação sexual nas escolas constituirá mais um passo determinante para a saúde sexual e reprodutiva dos jovens portugueses.

A realidade em matéria de educação sexual nas escolas portuguesas é conhecida e ainda insatisfatória. Tendo consciência das insuficiências identificadas nesta área, o XVII Governo Constitucional promoveu a constituição de um Grupo de Trabalho para a Educação Sexual (GTES), composto por reconhecidos especialistas e coordenado pelo Prof. Doutor Daniel Sampaio; o resultado do trabalho deste grupo, focado na concretização da educação sexual nas escolas portuguesas, foi recentemente trazido a público.

Importa ter presente que os números de infectados de VIH/SIDA em Portugal

(com mais de 30 mil portugueses infectados, dos quais 15% com menos de 25anos), a elevada taxa de gravidez na adolescência, e os comportamentos sociais discriminatórios em relação ao género e à orientação sexual, são ainda suficientemente preocupantes para justificar novas medidas que assegurem uma efectiva aplicação da educação sexual em meio escolar.

Com efeito, estes dados, cotejados com o mais recente estudo realizado pela Associação para o Planeamento da Família (APF) sobre a educação sexual dos jovens portugueses, e que revela as dificuldades deles para discutir a temática com os pais (mais de 50% nunca falaram com o pai sobre sexualidade, e mais de 30% nunca falaram com a mãe), e em que uma larga maioria assume ter já tido relações sexuais, tornam imperioso um papel complementar da escola em matéria de educação sexual, uma vez que os jovens portugueses e europeus passam cerca de dois terços do dia na escola.

Reconhecendo em tudo isto o papel indispensável da família, dos pais, dos encarregados de educação e dos professores enquanto parceiros decisivos na educação sexual dos adolescentes e jovens portugueses, e com o intuito de concretizar o essencial das conclusões resultantes do meritório trabalho desenvolvido pelo GTES, conferindo um novo impulso às políticas de promoção da educação para a saúde reprodutiva e sexual, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta o presente projecto de lei que estabelece o regime de aplicação da educação sexual nas escolas portuguesas.

O novo regime que ora se propõe define, nomeadamente, as finalidades da educação sexual, os conteúdos curriculares para os diferentes níveis de ensino e a respectiva carga horária, enquadrando, do ponto de vista legal, a figura do professor-coordenador da educação para a saúde e educação sexual, bem como os gabinetes de informação e apoio propostos pelo GTES, promovendo ainda a criação de um dia anual da educação sexual nas escolas.

Assim, nos termos das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

Objecto e âmbito

1. A presente lei estabelece e regula a aplicação da educação sexual nos estabelecimentos do ensino básico e do ensino secundário.

2. A presente lei aplica-se a todos os estabelecimentos da rede pública, bem como aos estabelecimentos da rede privada e cooperativa com contrato de associação, de todo o território nacional.

Artigo 2.º

Finalidades

Constituem finalidades da educação sexual:

a) A valorização da sexualidade e afectividade entre as pessoas no desenvolvimento individual;

b) O desenvolvimento de competências nos jovens que permitam escolhas informadas e seguras no campo da sexualidade;

c) A melhoria dos relacionamentos afectivo-sexuais dos jovens;

d) A redução de consequências negativas dos comportamentos sexuais, tais como a gravidez não desejada e as infecções sexualmente transmissíveis;

e) A capacidade de protecção face a todas as formas de exploração e de abuso sexuais;

f) O respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais;

g) A valorização de uma sexualidade responsável e informada;

h) A promoção da igualdade de género;

i) O reconhecimento da importância de participação no processo educativo de encarregados de educação, alunos, professores e técnicos de saúde.

Artigo 3.º

Modalidades

1. No ensino básico, a educação sexual integra-se no âmbito da educação para a saúde, nas áreas curriculares não disciplinares.

2. No ensino secundário, a educação sexual integra-se no âmbito da educação sexual nas áreas curriculares disciplinares e não disciplinares.

3. O disposto nos números anteriores não prejudica a transversalidade da educação sexual nas restantes disciplinas dos curricula dos diversos anos.

Artigo 4.º

Conteúdos curriculares no ensino básico

1. A educação sexual no ensino básico deve comportar os seguintes conteúdos curriculares até ao 4.º ano de escolaridade:

a) Noção de corpo;

b) O corpo em harmonia com a natureza;

c) Noção de família;

d) Diferenças entre rapazes e raparigas;

e) Protecção do corpo e noção dos limites.

2. A educação sexual no ensino básico deve comportar os seguintes conteúdos curriculares nos 5.º e 6.º anos:

a) Aspectos biológicos e emocionais da puberdade;

b) O corpo em transformação;

c) Caracteres sexuais secundários;

d) Diversidade e tolerância;

e) Sexualidade e género;

f) Reprodução humana e crescimento;

g) Contracepção e planeamento familiar.

3. A educação sexual no ensino básico deve comportar os seguintes conteúdos curriculares entre o 7º e o 9.º ano de escolaridade:

a) Compreensão da fisiologia geral da reprodução humana;

b) Compreensão do ciclo menstrual e ovulatório;

c) Compreensão da sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da pessoa humana, no contexto de um projecto de vida que integre valores e uma dimensão ética;

d) Compreensão da prevalência, uso e acessibilidade dos métodos contraceptivos e conhecer, sumariamente, os mecanismos de acção e tolerância;

e) Compreensão da epidemiologia e prevalência das principais infecções sexualmente transmitidas em Portugal e no mundo, em especial o VIH/SIDA e o VPH/Vírus do Papiloma Humano, suas consequências e métodos de prevenção;

f) Conhecimento das taxas e tendências nacionais de maternidade em geral e adolescência em particular e compreender o respectivo significado;

g) Conhecimento das taxas e tendências das interrupções voluntárias de gravidez e respectivo significado;

h) Compreensão da noção de parentalidade no quadro de uma saúde sexual e reprodutiva saudável e responsável;

i) Conhecimento da legislação existente e os serviços a que podem acorrer no âmbito da saúde sexual e reprodutiva.

4. Os conteúdos curriculares previstos nas alíneas a) a e) do número anterior deverão ser abordados, preferencialmente, nos 7.º e 8.º anos.

5. Os conteúdos curriculares previstos na alínea f) e g) do n.º 3 deverão ser abordados, preferencialmente, nos 8.º e 9.º anos.

Artigo 5.º

Conteúdos curriculares no ensino secundário

Sem prejuízo de uma nova abordagem aos conteúdos previstos para o ensino básico, a educação sexual no ensino secundário deve comportar os seguintes conteúdos curriculares:

a) Reforço do conhecimento da fisiologia da reprodução e sexualidade humanas;

b) Reforço dos conhecimentos sobre contracepção;

c) Reforço das escolhas informadas e seguras no campo da sexualidade;

d) Respeito pela igualdade entre as pessoas independentemente do género e/ou orientação sexual;

e) Compreensão das questões relativas à violência sexual e de género, bem como as questões éticas da sexualidade e relações amorosas;

f) Conhecimento da legislação existente e os serviços a que podem acorrer no âmbito da saúde sexual e reprodutiva.

Artigo 6.º

Carga horária

A carga horária dedicada à educação sexual, em cada nível de ensino, não pode ser inferior a 12 horas por ano lectivo, subdividida equitativamente pelos diversos períodos lectivos.

Artigo 7.º

Projecto educativo de escola

A educação sexual é objecto de inclusão obrigatória nos projectos educativos dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, nos moldes definidos pelo respectivo conselho geral, ouvidas as associações de estudantes.

Artigo 8.º

Pessoal Docente

1. Cada agrupamento de escolas e escola não agrupada deve designar um professor-coordenador da educação para a saúde e educação sexual.

2. Cada agrupamento de escolas e escola não agrupada deverá ter uma equipa interdisciplinar de educação para a saúde e educação sexual, com uma dimensão adequada ao número de turmas existentes, coordenada pelo professor-coordenador.

3. Compete a esta equipa:

a) Gerir o gabinete de informação e apoio ao aluno;

b) Assegurar a aplicação dos conteúdos curriculares;

c) Promover o envolvimento da comunidade educativa;

d) Organizar iniciativas de complemento curricular que julgar adequadas.

4. Cada turma tem um professor responsável pela educação para a saúde e educação sexual.

5. As direcções regionais de educação devem garantir o acompanhamento, supervisão e coordenação da educação para a saúde e educação sexual nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, sendo responsáveis pela produção de relatórios de avaliação periódicos baseados, nomeadamente, em questionários realizados nas escolas.

6. As habilitações necessárias, bem como as condições para o exercício das funções definidas no presente artigo, deverão ser fixadas por despacho do membro do governo responsável pela área da educação.

Artigo 9.º

Parcerias

1. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a educação para a saúde e a educação sexual deve ter o acompanhamento dos profissionais de saúde das unidades de saúde e da respectiva comunidade local.

2. O Ministério da Saúde assegurará as condições de cooperação das unidades de saúde com os agrupamentos de escolas ou escola não agrupadas.

3. O Ministério da Educação e os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas podem ainda estabelecer protocolos de parceria com organizações não governamentais, devidamente reconhecidas e especializadas na área, para desenvolvimento de projectos específicos, em moldes a regulamentar pelo Governo.

Artigo 10.º

Gabinetes de Informação e Apoio

1. Os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário, devem disponibilizar aos alunos um gabinete de informação e apoio no âmbito da educação para a saúde e educação sexual.

2. O atendimento e funcionamento do respectivo gabinete de informação e apoio são assegurados por profissionais com formação nas áreas da educação para a saúde e educação sexual.

3. O gabinete de informação e apoio de cada escola articula a sua actividade com as respectivas unidades de saúde da comunidade local ou outros organismos do Estado, nomeadamente o Instituto Português da Juventude.

4. O gabinete de informação e apoio deve assegurar um período de funcionamento mínimo de 3 horas por semana.

5. As escolas disponibilizam um espaço condigno para funcionamento do gabinete, organizado com a participação dos alunos, que garanta a confidencialidade aos seus utilizadores.

6. Os gabinetes de informação e apoio deverão estar integrados nos projectos educativos dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, envolvendo especialmente os alunos na definição dos seus objectivos.

7. No ensino secundário, o gabinete de informação e apoio deve assegurar aos alunos a distribuição gratuita de métodos contraceptivos não sujeitos a prescrição médica, existentes nas unidades de saúde.

Artigo 11.º

Dia da Educação Sexual

Cada agrupamento de escolas ou escola não agrupada deve dedicar um dia em cada ano lectivo à educação sexual, envolvendo a comunidade escolar em palestras, debates, formação ou outras actividades sobre o tema, recorrendo sempre que necessário, à colaboração de outras entidades públicas e de organizações não governamentais.

Artigo 12.º

Participação da comunidade escolar

1. Os encarregados de educação, os estudantes e as respectivas estruturas representativas devem ter um papel activo na prossecução e concretização das finalidades da presente lei.

2. Sem prejuízo das finalidades da educação sexual, as respectivas comunidades escolares, em especial os conselhos pedagógicos, podem desenvolver todas as acções de complemento curricular que considerem adequadas para uma melhor formação na área da educação sexual.

Artigo 13.º

Regulamentação

O Governo regulamenta o presente diploma no prazo de 120 dias após a sua publicação.

Artigo 14.º

Avaliação

O Governo envia à Assembleia da República um relatório global de avaliação sobre a aplicação da educação sexual nas escolas, baseado nos relatórios periódicos das direcções regionais de educação, após os dois anos lectivos seguintes à entrada em vigor da presente lei.

Artigo 15.º

Entrada em Vigor

1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei entra em vigor no início do ano lectivo de 2009/2010.

2. Os gabinetes de informação e apoio ao aluno devem estar em funcionamento em todos os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas até ao início do ano lectivo de 2010/2011.

3. O disposto no artigo 11.º entra em vigor no ano lectivo em curso.

Assembleia da República, 10 de Fevereiro de 2009

Os Deputados,

(Actividade Parlamentar e Processo Legislativo)



PROJECTO DE LEI N.º 660/X