Carta 5 – Resposta à escola / aulas de cidadania

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Exmo(a). Senhor(a) Diretor(a)…

Começamos por agradecer a cuidada resposta à nossa comunicação de …data…, que mereceu também a nossa melhor atenção.

Infelizmente, não nos podemos considerar satisfeitos com os argumentos adiantados por V.exas. para justificar a V/reiterada recusa em reconhecer os nossos direitos, que a Lei Fundamental garante a todos os pais deste país.

Talvez o problema esteja – continue a estar – na leitura da lei, neste caso das disposições da Lei da Bases da Educação que agora invocam também. É que não conseguimos extrair destas disposições legais qualquer mandato que legitime, como pretendem, através da frequência obrigatória de uma disciplina fortemente ideologizada como a «Educação e Cidadania», a imposição (aos nossos filhos e às nossas pessoas, enquanto pais e encarregados da respetiva educação) de diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas, quaisquer que elas sejam (cf. art.º 43.º, n.º 2 da Constituição). Muito pelo contrário, a Lei de Bases reproduz ipsis verbis a garantia constitucional, na al. a) do n.º 3 do seu art.º 1.º: “O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”.

Uma disciplina como a «Educação e Cidadania», com o conteúdo fortemente ideologizado que apresenta, não pode ser de frequência obrigatória – como acontece aliás, e bem, pela mesma ordem de razões, com a disciplina de «Educação Moral e Religiosa», que é de frequência facultativa.

Mais se diga que, num Estado de Direito Democrático como o nosso, os fins que constam da Lei de Bases, e também constitucionalmente consagrados, da garantia da prossecução do “progresso social” e da “democratização da sociedade”, do “desenvolvimento global da personalidade” de cada cidadão, dos seus “interesses e aptidões”, da “capacidade de raciocínio, memória e espírito crítico, criatividade, sentido moral e sensibilidade estética”, com promoção da “realização individual em harmonia com os valores da solidariedade social” nunca se podem alcançar, por definição, através de métodos impositivos contrários à ideia de dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais dela decorrentes.

Note bem que não estamos aqui a discutir a bondade do conteúdo das diretrizes constantes da disciplina de «Cidadania e desenvolvimento», nem sequer a suscitar a ilegitimidade de, numa disciplina curricular (mesmo não sendo ela obrigatória), o Governo, afrontando abertamente o disposto no art.º 36.º, n.º 5 da Constituição, estar, como inequivocamente está,  a “programar a educação e a cultura” segundo “diretrizes filosóficas (…), estéticas, políticas” e “ideológicas”. Só estamos a exigir que não obriguem os nossos filhos a frequentá-la.

Quanto aos profissionais habilitados que trabalham na área curricular em causa, não têm que se sentir ameaçados por procedimentos criminais, desde que, como V. Exas. dizem e bem na vossa resposta, façam o seu trabalho no respeito da lei em vigor (designadamente da lei penal), e não incorram em condutas ilícitas, ou seja, desde que não se aproximem dos nossos filhos menores, sobretudo fora do teatro da aula, munidos de objetos, imagens ou narrativas de teor sexual. É só isso que lhes exigimos.

Finalmente, e quanto à «sugestão» do ensino doméstico, lembramos-lhes que esse agrupamento escolar e as respetivas despesas de funcionamento, incluindo o vencimento de V. Exa. e oss vencimento dos demais professores, são pagos por nós, pelos nossos impostos. Não lhes admitimos por isso, nem por um momento, que se atrevam a repetir a ameaça velada que nos faemz, e aos nossos filhos, no final da vossa missiva.

Os nossos filhos têm o direito  de frequentar a escola pública, sem por isso ficarem obrigados a “pagar o preço” (suplementar ao que já pagamos em impostos) de terem que frequentar uma disciplina como a de «Cidadania e Desenvolvimento». E vamos exigir a satisfação desse direito por todos os meios legítimos ao nosso alcance. Na verdade, com a frequência da disciplina de «Cidadania e Desenvolvimento» não só nada aprendem de útil (para além do que nós, pais, já lhes ensinamos em casa nessas matérias), como ainda se sujeitam a serem «bombardeados» com diretrizes filosóficas, políticas e ideológicas ilegitimamente assumidas e programadas pelo Estado no ensino oficial – situação que, por imperativo de consciência e com base na específica  liberdade que a nossa Lei Fundamental garante no seu art.º 41.º, não estamos na disposição de suportar.

Resta o argumento de último recurso da força da lei (da «dura lex, sed lex»): o de, não obstante a sua manifesta inconstitucionalidade, determinar a lei a obrigatoriedade da frequência de tal disciplina.

Pois bem, a Constituição também preveniu essa possibilidade: para além do genérico direito de resistência perante as autoridades administrativas que a todos assiste de desobedecer a qualquer medida – mesmo legislativa, ou com base legislativa (cf. art.º 18.º da Constituição) – que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias (art.º 21.º da Constituição), ainda dispomos do direito à objeção pacífica de consciência, assegurado no último número do já citado art.º 41.º da Constituição, que garante a liberdade de consciência.

Mais se esclareça que, sendo o direito à objeção de consciência um direito, liberdade e garantia, é a norma constitucional que o consagra (o art.º 41.º, n.º6) diretamente invocável pelos cidadãos junto das autoridades administrativas em situações individuais e concretas como esta que agora nos ocupa (cf. art.º 18.º, n.º 1 da Constituição).

Podendo, pois, a lei regulamentar o exercício do direito em causa, como prevê a parte final do art.º 41.º, n.º 6 da Lei Fundamental, a inexistência de lei regulamentadora neste âmbito específico – de um procedimento de recusa, por parte de crianças ou adolescentes  e na sequência de uma determinação nesse sentido dos respetivos pais, enquanto titulares do direito e dever de os educar), de sujeição na escola pública a uma programação estadual segundo diretrizes filosóficas, políticas e ideológicas – não obsta à aplicabilidade direta daquela norma constitucional.

Reiteramos pois, e em suma, as liberdades e garantias constitucionais que nos assistem nesta matéria, e que legitimam a não frequência dos nossos filhos da disciplina de «Cidadania e Desenvolvimento».

De V. Exa.,

Atentamente,

Os pais e encarregados de educação de