O caso dos dois alunos, de Vila Nova de Famalicão, chumbados dois anos pelo Ministério da Educação, apesar de serem excelentes estudantes, resume-se a uma questão de liberdade. Com efeito, de um lado estão os defensores de um Estado autoritário e, portanto, de uma educação oficial, sem liberdade de escolha, nem direito à objecção de consciência; do outro, os defensores da liberdade, desde a liberdade das consciências até à liberdade constitucional de aprender e ensinar.
Do ponto de vista jurídico-constitucional, nenhuma dúvida subsiste, depois dos brilhantes artigos de opinião do Professor Mário Pinto, publicados no Observador sem contraditório, porque o não há: já não restam quaisquer dúvidas de que o Governo violou os princípios e as normas constitucionais e legais.
Daí, talvez, a necessidade de desqualificar a posição falaciosamente atribuída a “um clube da elite portuguesa”, que “tomou partido pelo casal que luta para que os seus filhos possam faltar à disciplina Cidadania e Desenvolvimento”, como escreveu Bárbara Reis no Público de 18-9-2020. Não há nenhum “clube da elite portuguesa” que tenha tomado “partido pelo casal”, mas uma muito numerosa e variada representação da sociedade civil, que tomou partido pela liberdade das consciências e pela liberdade de aprender e de ensinar, segundo o espírito e a letra da Constituição e das principais declarações universais de direitos humanos.
Entende esta jornalista que “a objecção de consciência refere-se a acções e não a ideias” e, por isso, pergunta: “Desde quando objecção de consciência se aplica a uma ideia da qual discordamos? Posso estar distraída, mas nunca vi”. Quer então dizer que, se um professor fizer a apologia do racismo, ou do nazismo, os alunos e pais não se poderiam opor, por serem apenas “ideias” e não “acções”?! Qualquer doutrina que incentive as mais odiosas práticas criminosas poderia, portanto, ser ensinada?! E por que carga de água ensinar e aprender, que implicam respectivamente os actos de transmitir conhecimentos e de os receber, não são acções?!
A este propósito, refere o exemplo clássico do médico que recorre à objecção de consciência, para não praticar abortos. Ora, quem assim procede age por razão do conhecimento, ou seja, de uma verdade biológica: a vida humana começa com a fecundação e, portanto, em termos científicos e éticos, um aborto é um assassinato. Agir em consciência é, também etimologicamente, decidir ‘com ciência’, ou seja, com conhecimento de causa: consciência = com(s)ciência. Por isso, a objecção de consciência tem que ver, mais do que com acções, com conhecimento: onde o não há, não faz sentido a objecção de consciência. Mas, se o médico pode não praticar um acto que sabe que é contrário à vida, por que não podem os pais impedir que aos seus filhos sejam ensinadas doutrinas que, como a ideologia de género, nada têm de científico, nem de verdadeiro?!
A jornalista diz: “Os pais de Vila Nova de Famalicão protestam contra informação, saber, tomar conhecimento.” É exactamente o contrário: estes pais protestam contra a desinformação, o não-saber, a ignorância e, por isso, faz todo o sentido o recurso à objecção de consciência. Não querem que aos seus filhos sejam impingidos conteúdos ideológicos falsos, chocantes e perigosos, como se fossem dados científicos verdadeiros, consensuais e seguros. É contra esta desonestidade intelectual que estes pais lutam e, com eles, muitos outros também. Há muitos portugueses que acham que têm direito à verdade, que o Governo, com a educação ideológica que impõe, lhes nega.
Se não faz sentido invocar a objecção de consciência em matérias em que não há ciência, faz ainda menos sentido invocar a consciência contra a ciência, como diz Bárbara Reis: “Discordo do programa de História – porque critica o Estado Novo, e eu acredito que a ditadura de Salazar foi boa ou porque critica o estalinismo e eu acredito no comunismo. O que faço? Digo aos meus filhos para faltarem a História e a seguir invoco o direito à objecção de consciência? Essas ideias violam a minha liberdade ou, simplesmente, eu sou contra essas ideias?”.
A jornalista confunde dois planos: o objectivo, do conhecimento; e o subjectivo, da apreciação pessoal. Ou seja, qualquer professor de História pode e deve ensinar o Estado Novo, de acordo com o que a ciência histórica afirma sobre esse regime. Contra este ensinamento objectivo, não há lugar à objecção de consciência, como é óbvio. Mas se o docente, a propósito dessa matéria, fizer na sala de aula a apologia do Estado Novo, ou do comunismo, é óbvio que já não está a actuar no âmbito da ciência que era suposto ensinar e, portanto, seria admissível a objecção de consciência.
Outro exemplo da cronista: “Discordo da matéria de Biologia – porque expõe a teoria de Charles Darwin como facto científico e eu acredito que o ser humano é uma criação de deus (sic, com minúscula, no texto da jornalista). Digo aos meus filhos para faltarem às aulas e invoco o direito à objecção de consciência?”
É disparatada a contraposição entre criacionismo (bíblico) e evolucionismo (científico). A evolução é de uma realidade existente que, como tal, teve um início, ou seja, foi criada. Como diziam os antigos, ex nihil, nihil fit: do nada, nada surge. Portanto, há um princípio, chame-se-lhe criação ou big bang, de acordo com o cientista e padre católico Georges Lemaitre, que foi quem formulou a hipótese do átomo primordial. Não só o evolucionismo não nega a criação, como a pressupõe. O relato bíblico da criação também não se opõe à hipótese evolucionista, que muitos cristãos admitem, sem negação da sua fé. Aliás, onde há contradição entre a fé e a ciência é porque o que se diz ser de fé, ou científico, o não é, porque duas verdades não se podem contradizer.
No caso de um recém-nascido, que precisava absolutamente de uma transfusão de sangue, a que a mãe dele, por ser testemunha de Jeová (sic, com maiúscula, no texto da jornalista) se opunha, um tribunal britânico decidiu que se fizesse esse tratamento, contra a vontade materna. Bárbara Reis concorda – e muito bem – com essa decisão judicial que, se não for incoerente, a obriga a ser, pela mesma razão, contra o aborto, pois a vida do filho deve prevalecer sobre a vontade da mãe.
Para negar o direito à objecção de consciência, a jornalista apela ao “bom senso de o Estado impedir o radicalismo individual”, ou seja, entende que o Estado deve substituir o indivíduo numa questão de consciência. Perigosa alienação esta, que recorda as ideologias totalitárias, que proclamam a dissolução do indivíduo na massa: “tu não és nada, o teu povo é tudo!” – dizia a propaganda nazi. A vontade do Estado era a vontade do povo alemão, expressa pelo Führer, a quem todos juravam absoluta e incondicional obediência. O número dois do regime nacional socialista, Hermann Goering, chegou a dizer: “Eu não tenho consciência individual. A minha consciência chama-se Adolf Hitler!” Nas antípodas deste pensamento totalitário, o santo cardeal católico inglês, John Henry Newman, brindava à consciência individual, expressão irredutível da verdade, liberdade e dignidade pessoal.
Não compete ao Estado ser consciência de ninguém e, quem aliena a consciência individual no “bom senso do Estado”, já cedeu à tentação totalitária, que é considerar o ser humano como parte descartável do todo, seja ele o partido, o povo, ou o Estado.
É contra esta alienação que lutam, corajosamente, os pais de dois alunos de Vila Nova de Famalicão e, com eles, não “um clube da elite portuguesa”, mas milhares de pais e alunos que são, certamente, a elite dos democratas portugueses. Combatem pela verdade, pela liberdade de aprender e de ensinar, pelo direito a uma educação livre de preconceitos ideológicos, pelas liberdades de pensamento e de expressão e pelo direito à objecção de consciência.